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Especial Setembro Amarelo

Além da Dor Visível: Uma Análise da Automutilação

No momento em que os comportamentos invisíveis tornam-se visíveis no corpo, a automutilação mostra que a dor não pode mais ser escondida. 

Por Luiz Filipe Antonio, 17 de setembro de 2025

Falar sobre automutilação não é simples. Para muitos homens, esse é um tema que parece distante da própria realidade, restrito ao universo adolescente ou a pessoas com “problemas graves”. No entanto, a verdade é que esse fenômeno atravessa idades, gêneros e contextos sociais, assumindo diferentes formas e significados.

Em linhas gerais, a automutilação é um ato intencional de causar dano ao próprio corpo sem a intenção de morrer. Mais do que um gesto isolado, ela funciona como um sinal de sofrimento psíquico que não encontrou outras vias de expressão.

Ao longo do tempo, esse comportamento foi estigmatizado, patologizado ou mesmo banalizado, o que dificultou seu entendimento em profundidade. Hoje sabemos que a automutilação envolve dimensões psicológicas, sociais, culturais, clínicas e comportamentais. Também sabemos que o alívio imediato e a sensação de controle que ela proporciona são acompanhados de consequências físicas e emocionais graves, incluindo o risco aumentado de suicídio.

🩸Como a automutilação se manifesta e o que ela significa?

A automutilação costuma aparecer em contextos de sofrimento emocional intenso. O corpo, nesse caso, passa a ser o canal de expressão da dor, transformando em marcas físicas aquilo que não encontra palavras. Cortes, queimaduras e arranhões estão entre as formas mais frequentes, muitas vezes realizadas em áreas discretas do corpo, justamente para manter o segredo.

Entre adolescentes, esse comportamento é ainda mais prevalente. Como mostram Moreira et al. (2020), as mudanças corporais, sociais e emocionais típicas da fase dificultam a regulação afetiva. Nesse grupo, meninas tendem a adotar métodos ligados ao sangue, como cortes superficiais, enquanto meninos recorrem a práticas mais severas, como queimaduras, bater a cabeça ou ferir os genitais. Já em adultos, a automutilação aparece associada a estresse crônico, traumas passados e hábitos que se cronificaram ao longo do tempo.

Os autores Rodrigues (2024), Penha (2021) e Santos (2021) lembram que, independentemente da idade, a automutilação funciona como estratégia de enfrentamento — disfuncional, mas real — diante de tensões que parecem insuportáveis. Ela pode servir como autopunição, tentativa de chamar atenção para si, regulação emocional ou até busca de estímulos sensoriais. Santos (2021), em sua pesquisa com 42 participantes adultos, apontou que conflitos familiares e ambientes caóticos são antecedentes frequentes, e que o uso de álcool e drogas potencializa o risco ao reduzir a percepção da dor.

Também não podemos ignorar as formas mais sutis de autolesão, como onicofagia severa, tricotilomania, skin picking e escoriação da acne. Richartz (2013) alerta que tais práticas muitas vezes são vistas como “manias inofensivas”, mas podem indicar sofrimento emocional ou compulsão ligada a transtornos como o espectro obsessivo-compulsivo.

A onicofagia severa é o hábito compulsivo de roer unhas até causar dor, sangramento ou inflamação. Pessoas com esse comportamento costumam apresentar unhas muito curtas, deformadas e frequentemente lesionadas. Além do desconforto, há riscos importantes, como infecções bacterianas ou fúngicas, dor constante e até deformidades permanentes nas unhas.

A tricotilomania caracteriza-se pelo impulso recorrente de arrancar cabelos ou pelos do próprio corpo, geralmente do couro cabeludo, sobrancelhas ou cílios. Esse comportamento deixa falhas visíveis e pode causar cicatrizes no couro cabeludo, além de grande impacto na autoestima e no convívio social, levando, em muitos casos, ao isolamento.

O skin picking, também chamado de dermatilomania, envolve o ato repetitivo de cutucar, arranhar ou espremer a própria pele, formando feridas, crostas e cicatrizes visíveis, geralmente em áreas de fácil acesso como rosto, braços e pernas. Esse comportamento aumenta o risco de infecções, cicatrizes permanentes e pode provocar desfiguração, além de sentimentos de vergonha e constrangimento.

Já a escoriação da acne consiste na manipulação excessiva de espinhas, mesmo pequenas ou quase inexistentes. A prática leva ao surgimento de lesões inflamadas, manchas e cicatrizes mais profundas. Ao invés de melhorar a pele, a escoriação tende a piorar o quadro de acne e aumentar o risco de infecções secundárias, impactando também a aparência e a autoestima. 

😞 Dimensões, efeitos e dilemas

A automutilação é um fenômeno multidimensional. Do ponto de vista psicológico, relaciona-se a ansiedade, depressão e dificuldades de regular emoções. No campo social, pode nascer de bullying, exclusão ou conflitos familiares. Na esfera cultural, o corpo se torna palco de normas de masculinidade que ensinam os homens a esconder vulnerabilidades. Há ainda as dimensões clínicas e comportamentais, em que o ato é mantido por reforços imediatos, como o alívio do sofrimento.

Para quem se automutila, os efeitos “positivos” aparecem no curto prazo: alívio, sensação de controle, descarga emocional. Mas o custo é alto. Além de cicatrizes permanentes e risco de infecções, surgem sentimentos de vergonha, isolamento e, em muitos casos, maior vulnerabilidade a pensamentos suicidas. O alívio, embora real, é enganoso — funciona como um “curativo emocional temporário” que não trata a ferida, apenas a aprofunda.

Outro dilema é o estigma. Homens, em particular, tendem a esconder ainda mais a prática, já que admitir fragilidade entra em conflito com ideais tradicionais de masculinidade. Os estudos confirmam que as mulheres aparecem mais nos dados, mas quando os homens se automutilam, utilizam métodos mais severos e frequentemente associados a álcool e drogas (Santos, 2021; Rodrigues, 2024). Esse padrão entre os gêneros tambem é percebido nos casos de suicídio, ondem mulheres tentam mais, porém homens apresentam maior agressividade consigo.

Essas diferenças também aparecem nas fases da vida: na adolescência, a automutilação é mais comum como resposta a transformações identitárias e busca de pertencimento; já em adultos, está ligada a históricos de sofrimento prolongado, ambientes familiares conflituosos e transtornos psiquiátricos persistentes.

👀 Prevenção e identificação: o que observar

Lidar com a automutilação exige duas frentes principais: prevenção e identificação precoce.

A prevenção passa por oferecer alternativas funcionais às funções que a automutilação cumpre: regulação emocional, comunicação da dor, autopunição. Intervenções psicoterapêuticas, terapia familiar e grupos de apoio têm mostrado resultados positivos. Entre adolescentes, programas escolares de saúde mental, aliados ao preparo de professores e familiares para reconhecer sinais, podem reduzir episódios e riscos de ideação suicida.

É igualmente importante combater a banalização de certos hábitos autolesivos, como roer unhas até sangrar ou arrancar cabelos. Reconhecê-los como sinais de sofrimento, e não como simples “tiques”, abre espaço para intervenções clínicas eficazes, como técnicas de reversão de hábito.

Quanto à identificação, alguns sinais devem acender o alerta: roupas largas em excesso mesmo em dias quentes, marcas recorrentes de cortes e queimaduras, mudanças bruscas de humor, isolamento social e vergonha de se expor fisicamente. Também vale observar o contexto: famílias em conflito, histórico de violência e uso frequente de substâncias aumentam a probabilidade de automutilação. No campo emocional, falas de autopunição, expressões de desesperança e comportamentos de fuga diante de pressões são pistas importantes.

Considerações finais

A automutilação não pode ser reduzida a um gesto isolado. Ela atravessa idades, gêneros e contextos, funcionando como uma tentativa de enfrentar dores que não encontram palavras. Falar sobre esse tema é falar de sofrimento, mas também de possibilidade de cuidado.

Se você percebe em si sinais de automutilação, ou identifica isso em alguém próximo, não encare como fraqueza. Buscar apoio profissional — psicólogos, psiquiatras ou serviços especializados — pode abrir caminhos mais saudáveis. Além disso, conversar com pessoas de confiança e se permitir ser escutado são passos que fortalecem e ampliam as chances de transformação.

A automutilação não precisa continuar sendo um segredo gravado no corpo. Quanto mais falamos sobre o tema, mais espaço criamos para transformar dor em cuidado e silêncio em escuta.



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🗓 17 de setembro: Dia Nacional de Prevenção da Automutilação

Desde 2025, o Brasil passou a ter em lei a campanha Setembro Amarelo como política pública nacional. A norma institui duas datas de referência: 10/9 (Dia Nacional de Prevenção do Suicídio) e 17/9 (Dia Nacional de Prevenção da Automutilação). A escolha mantém o mês inteiro como período de mobilização e alinha o dia 10 ao marco internacional de prevenção do suicídio; já o dia 17 destaca, de forma específica, a necessidade de informar e prevenir a automutilação, fenômeno muitas vezes silenciado e confundido com outras questões.


📜O que a lei determina

  • Campanha anual em todo o país, com ações educativas em escolas, serviços de saúde e comunidades, inclusive iluminação de prédios públicos na cor amarela.

  • Objetivos centrais: ampliar o debate público, reduzir estigmas, orientar sobre recursos de apoio e tratamento e estimular a busca por ajuda profissional.

  • Rede SUS: os CAPS (todas as modalidades) são serviços de referência e funcionam articulados à rede, com equipes multiprofissionais.

  • Canais de apoio: CVV – 188 (24h, gratuito, sigiloso). Em urgência: Samu 192 e 190.


🧩 Contexto e marcos anteriores

  • O Setembro Amarelo começou como mobilização da sociedade civil (2014/2015) capitaneada por CVV, ABP e CFM e, em 2025, foi oficializado por lei federal.

  • A Lei nº 13.819/2019 já havia criado a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, com notificação compulsória de violência autoprovocada e diretrizes de articulação intersetorial.

  • Distinguir automutilação de suicídio ajuda a qualificar o cuidado, orientar políticas e quebrar o silêncio sobre um comportamento que sinaliza sofrimento e merece acolhimento especializado.

  • A data 17/09 facilita ações focalizadas (informação, triagem, capacitação de profissionais, rotas de encaminhamento) e conecta a pauta à agenda mais ampla do Setembro Amarelo.



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📞 Aqui estão contatos de apoio confiáveis e acessíveis para pessoas em situação de crise ou com tendência suicida.


  • CVV – Centro de Valorização da Vida

Telefone: 188 (ligação gratuita, 24h por dia)

Chat online: www.cvv.org.br

Atendimento sigiloso e voluntário para quem precisa conversar.

  • SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência

    • Telefone: 192 (emergência médica)

    • Aciona socorro imediato em risco iminente de vida.

  • Corpo de Bombeiros

    • Telefone: 193

    • Também atende situações de urgência e resgate.

  • Unidades de Pronto Atendimento (UPA) ou hospitais gerais

    • Atendimento presencial em crises agudas de saúde mental.


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📚 Referências e sugestões de leitura:

AGENCIA SENADO. (2025). Setembro Amarelo é oficializada em lei. Senado Federal. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/09/09/campanha-setembro-amarelo-e-oficializada-em-lei#:~:text=A%20norma%20tamb%C3%A9m%20estabelece%2017,Nacional%20de%20Preven%C3%A7%C3%A3o%20do%20Suic%C3%ADdio


AGÊNCIA BRASIL. (2025, 11 de setembro). Governo institui dias de prevenção ao suicídio e à automutilação: Lei estabelece campanha Setembro Amarelo anual para ações de saúde. Empresa Brasil de Comunicação (EBC). https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2025-09/governo-institui-dias-de-prevencao-do-suicidio-e-da-automutilacao


ARAUJO, J. F. B. D., Chatelard, D. S., Carvalho, I. S., & Viana, T. D. C. (2016). O corpo na dor: automutilação, masoquismo e pulsão. Estilos da clínica, 21(2), 497-515. Link: https://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v21n2/a12v21n2.pdf


BRASIL. Presidência da República. (2025, 9 de setembro). Presidente Lula sanciona lei que fortalece ações de prevenção ao suicídio e à automutilação. Gov.br. https://www.gov.br/planaltocrafting/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2025/09/presidente-lula-sanciona-lei-que-fortalece-acoes-de-prevencao-ao-suicidio-e-a-automutilacao


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RODRIGUES, E. A. M. (2024). ENTRE A DOR E O ALÍVIO: ENTENDENDO A AUTOMUTILAÇÃO COMO MECANISMO DE ENFRENTAMENTO. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, 10(11), 877-892. Link: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/16282/9121

 

SANTOS, E. P. D. C. D. (2021). Correlacionando fatores ambientais e o comportamento de autolesão. Link: https://repositorio.ufgd.edu.br/jspui/bitstream/prefix/4655/1/ElenicePeixotodaCostadosSantos.pdf


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