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INFIDELIDADE - PARTE 1

Talvez a pergunta mais importante nem seja "por que se trai?", mas "o que a traição revela sobre nós?"

Por Luiz Filipe Antonio, 19 de Julho de 2025

“Quem ama, não trai.” Essa frase ecoa como um mantra nas conversas sobre relacionamentos. Mas será que ela dá conta da complexidade da infidelidade? Ao contrário do que sugerem certas visões simplificadas, trair não é apenas sinal de desamor ou caráter duvidoso. A infidelidade é um fenômeno humano multifacetado — que atravessa desejos, frustrações, histórias de vida e contextos sociais.

Neste texto, proponho um olhar mais amplo e cuidadoso sobre o que leva alguém a trair. Principalmente, convido você — homem adulto, cisgênero, que talvez já tenha traído ou sido traído — a refletir sobre esse tema com menos culpa e mais curiosidade.

👰  A infidelidade não se limita ao casamento

A infidelidade pode surgir em qualquer vínculo onde haja um acordo — explícito ou implícito — de exclusividade afetiva ou sexual. Namoros, relações abertas (sim, mesmo essas), amizades coloridas… Onde há expectativa, há também a possibilidade de frustração.

A traição não está presa ao estado civil ou ao modelo tradicional de relacionamento. Sua ocorrência está ligada à existência de um pacto — às vezes verbalizado, outras vezes apenas suposto — sobre fidelidade, lealdade ou prioridade emocional. É justamente na zona cinzenta desses acordos que muitos conflitos surgem. O que para um é “só uma conversa”, para o outro pode ser “traição emocional”. A infidelidade, então, deixa de ser apenas uma violação do ato em si, e passa a ser percebida como transgressão da confiança e da expectativa de exclusividade.

Mesmo em relações não-monogâmicas, onde o sexo fora do casal é permitido ou negociado, a infidelidade pode acontecer quando um dos parceiros burla o pacto estabelecido. Por exemplo, esconder encontros, mentir sobre sentimentos ou ultrapassar limites previamente acordados. Nesse sentido, a infidelidade não é sinônimo de sexo fora da relação, mas de quebra de confiança — o que amplia enormemente seu significado e os modos pelos quais ela se manifesta.

Reduzir a traição à quebra do contrato conjugal é perder de vista o essencial: a infidelidade fala menos sobre o tipo de vínculo e mais sobre as pessoas que o vivem. E essas pessoas têm desejos, medos, carências e idealizações — algumas que são percebidas e/ou compreendidas, outras não.

Cada vínculo é habitado por dois mundos subjetivos que se encontram e, ao mesmo tempo, permanecem singulares. Em qualquer relação íntima, o desejo de fusão convive com o impulso por autonomia. Trair, nesse contexto, pode ser uma forma de reafirmar a própria individualidade diante da experiência de “ser dois”. Ou ainda, uma forma de lidar com o mal-estar que surge quando o outro não cumpre nossas fantasias sobre como uma relação deveria ser.

Além disso, em qualquer tipo de vínculo, expectativas mal conversadas costumam ser terreno fértil para ressentimentos. A infidelidade pode surgir não como uma decisão fria e racional, mas como um desdobramento silencioso de afetos negligenciados, limites não nomeados e desconexões progressivas. É nesse espaço ambíguo, onde o que se espera e o que se oferece não são plenamente discutidos, que a traição se insinua — muitas vezes como sintoma de algo que não pôde ser dito diretamente.

♂️♀️  Homens e mulheres: motivações diferentes?

Homens que traem costumam ser lidos de maneira diferente das mulheres. Culturalmente, o comportamento masculino ainda é, em muitos contextos, tolerado ou até incentivado. A velha máxima de que “homem é assim mesmo” normaliza a traição como uma espécie de instinto, apagando os aspectos emocionais e subjetivos envolvidos.

Essa permissividade, no entanto, não significa liberdade. Ao contrário: muitos homens se veem presos a papéis de gênero que os afastam da intimidade emocional. A traição, nesse cenário, pode aparecer como uma tentativa (mal-sucedida) de preencher vazios que nem sempre sabem nomear.

Estudos, conforme compilados e explorados por Frederick e Fales (2014), indicam que, de forma geral, homens tendem a buscar mais a novidade sexual, enquanto mulheres tendem a trair em busca de conexão emocional. Mas essas são tendências, não regras. Cada pessoa trai por um motivo próprio — que precisa ser escutado com atenção, não enquadrado em estereótipos.

Entre os homens, a traição muitas vezes carrega um pedido velado: “Me enxergue”, “Me deseje”, “Me valide”. A infidelidade pode ser uma forma desesperada de resgatar algo que está faltando — não necessariamente no outro, mas em si mesmo.

Ainda segundo a pesquisa de Frederick e Fales, na perspectiva das teorias socio-cognitivas e evolucionistas, essa diferença de motivação entre os gêneros parece refletir também seus medos mais profundos quando estão no papel de traídos. Homens heterossexuais, por exemplo, tendem a se sentir mais ameaçados pela infidelidade sexual — e isso pode ter raízes em estratégias reprodutivas desenvolvidas ao longo da evolução. A teoria evolucionária sugere que, para os homens, o maior risco era investir recursos em filhos que biologicamente poderiam não ser seus. Essa incerteza sobre a paternidade teria gerado, ao longo do tempo, uma maior sensibilidade à infidelidade sexual, vista como ameaça direta à sua continuidade genética e ao seu “valor” como parceiro sexual.

Além do aspecto reprodutivo, essa preocupação também pode estar relacionada à virilidade como marcador identitário masculino. A traição sexual não apenas fere o ego, mas ativa um medo ancestral de não ser suficiente — de não ser o “macho escolhido”. Essa dimensão simbólica da sexualidade masculina, sustentada por séculos de idealizações sobre potência e performance, ajuda a entender por que, para muitos homens, a traição sexual pesa mais do que a afetiva.

❤️‍🩹 Idealizações e a ilusão de completude

Vivemos em uma cultura que vende o amor romântico como promessa de completude. A ideia de que o outro “vai me bastar” é encantadora, mas também perigosa. Quando essa expectativa se frustra — e quase sempre se frustra — surgem sentimentos de decepção, vazio, abandono.

A traição, nesse contexto, aparece como uma fuga da realidade. Em vez de encarar a imperfeição inerente aos vínculos amorosos, muitas pessoas buscam fora o que sentem que já não encontram dentro: paixão, novidade, reconhecimento, excitação. Trair, às vezes, é tentar manter viva uma ilusão — a de que em algum lugar há alguém que finalmente preencherá todas as nossas faltas.

Entretanto, nem toda infidelidade nasce apenas da idealização romântica ou do desejo por novidade. Muitas vezes, as razões estão enraizadas em experiências subjetivas de desconexão e sofrimento emocional no cotidiano da relação. Como apontam Pereira e Santos (2020), entre os principais fatores que contribuem para a infidelidade conjugal estão a insatisfação emocional — sentir-se ignorado, desvalorizado, ou afetivamente distante do parceiro — e a falta de intimidade física, seja pelo afastamento sexual, por rotinas esgotantes ou por conflitos não resolvidos.

Nesses casos, o sexo fora da relação não é apenas um impulso ou uma “aventura”, mas uma tentativa de reencontro com a própria vitalidade. Trata-se de um esforço — muitas vezes inconsciente — de restaurar a sensação de estar vivo, desejado, presente. E não é incomum que, ao buscar esse reencontro, a pessoa nem esteja rompendo com o afeto pelo parceiro, mas sim tentando escapar da anestesia emocional que se instalou entre eles.

A dificuldade de comunicação no casal também aparece como fator recorrente. Quando emoções são silenciadas, quando frustrações se acumulam sem nome, e quando o diálogo é substituído por mal-entendidos ou indiferença, cria-se um terreno fértil para o afastamento. Nessa ausência de escuta e expressão, a infidelidade pode surgir não como um plano, mas como um sintoma — um grito que não encontrou outro modo de ser dito.

Além dos aspectos relacionais, questões individuais também devem ser consideradas. Insegurança, baixa autoestima, dificuldade em lidar com frustrações ou necessidade constante de validação podem influenciar uma pessoa a buscar fora algo que, no fundo, está relacionado a seus próprios conflitos internos. A infidelidade, nesse sentido, não denuncia apenas uma crise na relação, mas revela feridas que antecedem o vínculo e que o vínculo, por si só, não conseguiu curar.

É por isso que compreender a infidelidade exige mais do que julgamento moral. Requer escuta, empatia e disposição para olhar com profundidade para o que está em jogo. Nem sempre falta amor — muitas vezes, o que sobra é cansaço, silêncio e frustração. E quando o cotidiano apaga o desejo, quando a relação perde a força de alimentar a presença mútua, trair pode surgir como tentativa — ainda que falha — de resgatar uma parte esquecida de si mesmo.

💔  O trair revela mais do que desamar

Diante de tudo isso, talvez a pergunta mais produtiva não seja “por que se trai?”, mas “o que a traição revela?”. A infidelidade, ao invés de ser apenas um desvio ético ou um sintoma de desamor, pode ser uma janela para enxergarmos o que tem sido silenciado nas relações — e em nós mesmos.

Traímos, às vezes, por cansaço, por desejo, por medo, por solidão, por necessidade de reencontro com algo que perdemos — ou nunca tivemos. E o fazemos carregando conosco um repertório de idealizações, feridas, aprendizados culturais e modelos de masculinidade que nem sempre escolhemos conscientemente.

Por isso, reduzir a infidelidade a uma questão de caráter ou a um erro individual é fechar os olhos para sua complexidade. Em vez disso, podemos usá-la como ponto de partida: para rever pactos, reconstruir formas de amar mais honestas, e repensar o que esperamos — de nós, do outro e do amor.

Se o tema é desconfortável, é justamente porque ele mexe com camadas profundas da nossa experiência: nossa identidade, nosso desejo, nosso medo de abandono, nossa necessidade de reconhecimento. E talvez, ao nos permitirmos olhar para tudo isso com menos julgamento e mais curiosidade, sejamos capazes de sair do lugar comum da culpa — e abrir espaço para relações mais conscientes e possíveis.




Referências e sugestões de leitura:

Almeida, T. de. (2007). Infidelidade Heterossexual e Relacionamentos Amorosos Contemporâneos. Pensando Famílias, 2(11), 49–56. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/jp/v42n77/v42n77a13.pdf


Berman, MI, e Frazier, PA (2005). Poder no Relacionamento e Experiência de Traição como Preditores de Reações à Infidelidade. Boletim de Psicologia Social e Personalidade , 31 (12), 1617-1627. https://doi.org/10.1177/0146167205277209 (Trabalho original publicado em 2005).


Costa, C. B., Cenci, C. M. B., & Mosmann, C. P. (2016). Conflito conjugal e estratégias de resolução: Uma revisão sistemática da literatura. Temas em Psicologia, 24(1), 325–338. https://doi.org/10.9788/tp2016.1-22 


Frederick, D.A., Fales, M.R. Upset Over Sexual versus Emotional Infidelity Among Gay, Lesbian, Bisexual, and Heterosexual Adults. Arch Sex Behav 45, 175–191 (2016). https://doi.org/10.1007/s10508-014-0409-9


Gama, F. T. D. dos S. (2024). Implicações da infidelidade no casamento: causas e consequências. Revista Ibero-Americana De Humanidades, Ciências E Educação, 10(8), 915–928. https://doi.org/10.51891/rease.v10i8.13034


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