Este texto é um convite à reflexão: o que você acredita que é o sexo? E quem colocou essa ideia aí dentro? Vamos olhar para o sexo não como essência, mas como expressão, de como fomos educados e de como nos relacionamos com nossos corpos, nossos desejos e com o outro. Uma construção que diz menos sobre instinto e mais sobre história, cultura, desejo e medo.
Vivemos em uma época que fala muito sobre sexo, mas compreende pouco. Para muitos homens, a resposta sobre o que é sexo parece simples: um ato de penetração, prazer, talvez afeto. Mas e se isso fosse só a superfície? E se o que chamamos de “sexo” fosse, na verdade, um conjunto de comportamentos aprendidos, reproduzidos, reforçados — e nem sempre compreendidos?
🦍 Sexo não é só cópula, cruzamento ou reprodução
No reino animal, sexo é cópula: o encontro entre corpos para a reprodução da espécie. É simples, direto e funcional. Mas nós, humanos, não transamos apenas para gerar filhos. Trazemos símbolos, afetos, regras, proibições, promessas. Nossos encontros sexuais são menos sobre biologia e mais sobre linguagem, contexto, expectativa — transam para sentir, para esquecer, para provar algo, para se conectar, para se vingar, para existir.
O que chamamos de “sexo” é algo que aprendemos. — não é só biológico — é simbólico. É atravessado por mitos, filmes, piadas, tabus, culpas, expectativas, conversas entre amigos, olhares desconfortáveis, experiências marcantes. Aos poucos, vamos montando uma ideia do que é esperado. E passamos a agir dentro desses contornos. Às vezes, nem é desejo o que sentimos — é um tipo de dever, uma forma de escapar do silêncio, de buscar conexão ou provar algo.
Quando dizemos “fiz sexo”, do que estamos falando exatamente? Penetração? Gozo? Toque? Conquista? Proximidade? O que se entende como “sexo” depende do tempo, do lugar, da moral vigente. Em algumas culturas, sexo é só se há penetração; em outras, um olhar pode ser o bastante para despertar erotismo.
Cada pessoa vive o sexo a partir de um repertório: um conjunto de experiências que moldam o que desejamos, tememos ou evitamos. Por isso, é tão difícil definir sexo de forma universal. Para alguns, é pele. Para outros, é penetração. Para outros ainda, é o que acontece antes — ou depois.
Como toda construção social, o sexo também carrega uma ideologia. Ele nos foi ensinado — e, portanto, pode ser repensado.
🎭 Quando o sexo vira palco
Desde cedo, muitos homens são ensinados a tratar o sexo como prova de valor, são educados para performar o sexo, não para vivê-lo. Ser bom de cama é ser bom de verdade. Há um roteiro tácito: ser ativo, durar muito, fazer a parceira gozar, provar potência. Sexo vira prova de masculinidade. O corpo masculino, então, não é apenas sujeito do prazer — torna-se palco de uma atuação. Como escreveu Sartre (2008), “somos o que fazemos com aquilo que fizeram de nós” — e, nesse teatro, o sexo se torna um papel a ser desempenhado, mais do que uma experiência a ser sentida. Essa cobrança, repetida ao longo da vida, transforma o encontro em apresentação. O prazer dá lugar ao desempenho. A conexão vira competição.
O corpo masculino passa a atuar, não sentir. O foco se desloca da experiência para a performance. Tudo precisa funcionar, durar, impressionar. Se o outro gosta, foi bom. Se não foi elogiado, talvez tenha falhado.
A ansiedade de desempenho substitui o prazer pela obrigação. A conexão cede espaço à comparação. E o medo do “fracasso” sexual gera uma cadeia silenciosa de frustrações, disfunções e afastamentos.
Quando isso acontece, a relação com o sexo se distancia de si mesmo. muitos homens seguem transando, mas cada vez mais distantes de si mesmos. Aprende a desejar o que os outros esperam. Aprende a repetir o que deu certo. E muitas vezes, sem perceber, deixa de viver o que poderia ser uma experiência íntima, espontânea e verdadeira. Seguem fazendo, mas sem saber o que sentem. Fazem sexo, mas não sabem se vivem o sexo.
🧠 O sexo também é psicológico — e profundamente
Desejo não é só impulso. Ele carrega histórias. O que sentimos (ou deixamos de sentir) é atravessado por memórias, inseguranças, medos, crenças. Há quem busque o sexo para se sentir aceito. Há quem o evite por vergonha ou culpa. Há quem queira, mas não consiga se entregar. Há quem nem saiba mais o que sente, só o que deveria sentir. E o que chamamos de “tesão” muitas vezes é também um grito por validação, por afeto, por pertencimento.
Muitos homens nunca pararam para se perguntar o que realmente os excita, o que realmente desejam, ou por que certas práticas os deixam desconfortáveis. Seguem um roteiro aprendido, porque sempre foi assim. Mas esse roteiro nem sempre corresponde àquilo que os faria bem. Sentem vergonha do que gostam, ou que não sentem prazer em nada, mas continuam performando para manter uma imagem. Homens que aprenderam a desejar como forma de poder, e não como forma de encontro.
O comportamento sexual, como qualquer outro, é sensível ao ambiente. Ele responde a contextos, sinais e consequências. Por isso, entender o sexo também exige olhar para a nossa história. Para o que vivemos, o que nos foi permitido, o que nos ensinaram a esconder. Como dizia Jung, “aquilo que negamos nos controla”. Talvez o que controla o sexo de muitos homens hoje não seja o desejo — mas o medo.
Conclusão
O sexo é muito mais do que penetração, orgasmo ou número de parceiras. — é também o que carregamos na cabeça, no peito, na memória. Não é apenas uma questão de técnica ou quantidade. Quando o reduzimos a um ato mecânico ou uma performance masculina, empobrecemos não só o sexo, mas também a nós mesmos.
Esse texto não pretende dizer o que é ou não é sexo. A proposta aqui não é dizer o que é ou não é sexo. É provocar você a pensar: o que o sexo tem sido para você? E o que poderia ser, se você se permitisse viver fora do roteiro?
Enquanto fazer sexo é comum, compreender o que se vive durante ele ainda é raro. Talvez aí esteja um caminho: transformar o sexo em encontro, e não em exigência. Em expressão, e não em resposta. Em liberdade, e não em julgamento.
Referências:
SARTRE, Jean-Paul. Entre Quatro Paredes. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.