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Especial Setembro Amarelo

Sexo masculino como termômetro da saúde mental

Quando a mente adoece, o corpo fala. E quando o corpo falha na intimidade, problemas sexuais também podem ser sinais de doenças que afetam a saúde mental e física.

Por Luiz Filipe Antonio, 27 de setembro de 2025

Falar sobre saúde sexual masculina quase sempre nos leva a duas direções: desempenho ou prevenção de doenças. Essa visão, embora importante, é limitada. Ela deixa de fora uma dimensão central da vida: o modo como o desejo, a intimidade e a forma de se relacionar com o próprio corpo refletem — e também afetam — a saúde mental. A sexualidade não é apenas uma questão de prazer ou reprodução, mas um espaço onde se inscrevem expectativas sociais, experiências de afeto, inseguranças e dores que nem sempre encontram palavras. Por isso, pode funcionar como um verdadeiro termômetro do sofrimento psíquico. Quando há alterações no desejo, na ereção ou na disposição para o contato íntimo, muitas vezes estamos diante de sinais que apontam para algo mais profundo.

Esse texto é a última etapa de uma série publicada ao longo do Setembro Amarelo, na qual busquei explorar diferentes expressões do sofrimento masculino. No artigo “O peso do ‘aguenta firme’”, analisei como o estigma da invulnerabilidade molda a saúde psicológica dos homens e os afasta do cuidado. Em seguida, em “Sobreviventes enlutados por suicídio”, trouxe à tona a experiência de quem permanece após a perda, mostrando como o luto pode transformar radicalmente a vida. Já em “Automutilação: um fenômeno que precisamos compreender melhor”, discuti como o corpo se torna palco da dor quando não há espaço para a palavra. Agora, proponho um passo além: compreender como esses fenômenos — suicídio, luto e automutilação — se entrelaçam com a sexualidade masculina. Porque falar sobre sexo, nesse contexto, é também falar sobre saúde mental, afeto e sobrevivência.

🧍 Sexualidade como espelho do sofrimento masculino

A sexualidade é uma das dimensões mais sensíveis às pressões emocionais. Mudanças no desejo ou na intimidade frequentemente antecedem outros sinais de adoecimento psíquico. Como já discuti nas publicações anteriores, ao tratar de suicídio, sobreviventes enlutados e automutilação, esses fenômenos ajudam a iluminar a relação entre sofrimento e sexualidade. Homens em risco de suicídio, por exemplo, podem apresentar perda de interesse sexual, retraimento e dificuldade em se conectar afetivamente antes mesmo de manifestarem outros comportamentos de alerta. No caso da automutilação, o corpo que é ferido muitas vezes também se afasta da possibilidade do prazer, carregando consigo vergonha e medo de exposição durante a intimidade. Entre sobreviventes enlutados por suicídio, não é raro que o desejo diminua ou que surjam dificuldades de ereção e evitação de contato sexual, como se a dor tivesse atravessado também a esfera mais íntima da vida. Pesquisas recentes reforçam que a masculinidade hegemônica, ao associar virilidade à performance sexual, transforma essas dificuldades em marcadores de fracasso pessoal, aumentando o risco de sofrimento psíquico grave (de Baére & Zanello, 2020). Esses exemplos mostram que a sexualidade não é periférica, mas sim uma lente privilegiada para compreender o impacto do sofrimento na experiência cotidiana.

Alguns sinais que poderiam ser interpretados apenas como problemas sexuais revelam, na verdade, dimensões mais amplas do sofrimento. A diminuição persistente do desejo, as disfunções eréteis ou ejaculatórias ligadas à ansiedade e à depressão, a evitação da intimidade por vergonha ou medo de julgamento e o uso compulsivo de pornografia ou de relações sexuais como fuga emocional são expressões que não falam apenas de sexualidade, mas de saúde mental. Estudos apontam que aproximadamente 48% dos homens relatam algum tipo de disfunção sexual, e que a relação entre disfunção erétil e depressão é bidirecional: a depressão aumenta o risco para disfunção erétil, e a disfunção erétil aumenta a probabilidade de quadros depressivos (Corrêa et. al., 2023). Esse dado evidencia como alterações sexuais podem funcionar como indicadores precoces de adoecimento mental.

😳  Quando o sofrimento nasce da sexualidade

É importante lembrar que o caminho também pode ser inverso. Dificuldades sexuais, quando não compreendidas e acolhidas, alimentam sentimentos de fracasso, impotência e solidão. Em homens, cuja masculinidade é frequentemente medida pela “potência sexual”, episódios de impotência ou falhas de desempenho são interpretados como falhas pessoais, e não como manifestações de saúde. Esse ciclo reforça o silêncio e a dor: homens que não encontram espaço para falar sobre seu sofrimento sexual tendem a evitar buscar ajuda, o que amplia a vulnerabilidade a automutilação, uso de substâncias e ideação suicida. Além disso, o estigma da rejeição sexual — como fracasso ou prova de “não ser homem o suficiente” — está fortemente documentado na literatura e pode precipitar isolamento social, baixa autoestima e comportamentos autodestrutivos (de Baére & Zanello, 2020). Nesse sentido, a sexualidade não é apenas espelho do sofrimento, mas também pode ser sua fonte, quando atravessada por expectativas rígidas e punitivas.

O corpo masculino, nesse contexto, ocupa um lugar ambíguo. Ele é visto como prova de potência e virilidade, mas também se transforma em palco de dor. Automutilações, práticas de risco, consumo abusivo de álcool e drogas ou o simples descuido com a saúde revelam como o corpo é usado para expressar dores que não encontram palavras. Essa ambivalência se torna ainda mais evidente quando pensamos na sexualidade: o mesmo corpo que busca prazer é aquele que carrega cicatrizes, marcas de violência e silêncios impostos. Casos de violência sexual masculina, embora menos visibilizados, têm impacto expressivo sobre a saúde mental, favorecendo isolamento, dificuldade de confiar nos outros e maior vulnerabilidade ao suicídio e à automutilação (Souza e Paim, 2024). Reconhecer esses traumas é essencial para compreender como prazer e dor se entrelaçam na vida sexual dos homens. Reconhecer essa dupla face é indispensável para compreender como sofrimento e desejo se entrelaçam no universo masculino.

😌 Sexualidade como parte da saúde integral

Não se pode pensar em saúde mental sem incluir a sexualidade. O desejo, o afeto e a intimidade compõem a identidade e sustentam a autoestima do homem. Quando ignoramos essa dimensão, reduzimos a saúde a aspectos técnicos ou biomédicos, deixando de lado experiências fundamentais para o sentido de viver. Reconhecer falhas, inseguranças e dificuldades não significa fragilidade, mas abertura para o cuidado. A literatura indica que a repressão do desejo ou a abstinência sexual não voluntária podem produzir efeitos significativos no bem-estar, incluindo irritabilidade, depressão, ansiedade e perda de sentido existencial. Tais achados confirmam que a sexualidade deve ser considerada parte indissociável da saúde integral.

A prevenção do suicídio, da automutilação e do sofrimento enlutado não se resume a campanhas ou slogans, mas passa pela criação de espaços de escuta. Quando um homem encontra lugar seguro para falar de suas dores sexuais sem medo de ridicularização, ele descobre a possibilidade de ser acolhido. Esse espaço de fala rompe o ciclo de silêncio que mantém o sofrimento oculto. E, mais do que isso, transforma a sexualidade de tabu em ferramenta de prevenção, conectando cuidado íntimo com cuidado de vida. Especialistas sugerem que intervenções clínicas voltadas a homens devem incluir a desconstrução de ideais de masculinidade percebidas como inadequadas e a promoção de novos modelos de autocuidado, onde falar sobre sexualidade seja visto como parte legítima do cuidado preventivo (Corrêa et. al., 2023).

Considerações finais

À medida que o Setembro Amarelo se encerra, permanece o convite para ampliar o olhar. Ao longo deste mês, percorremos um caminho que passou pela discussão do estigma da masculinidade, pelo luto dos sobreviventes e pela complexidade da automutilação, chegando agora à sexualidade masculina como termômetro da saúde mental. Esse percurso reforça que esses fenômenos não podem ser pensados isoladamente: eles se cruzam, se influenciam e ganham novos sentidos quando observados em conjunto.

A sexualidade masculina não é detalhe: é termômetro e consequência do sofrimento psíquico. Alterações na intimidade podem sinalizar riscos graves, assim como dificuldades nessa área podem intensificar a dor. Falar sobre sexo, portanto, é falar sobre saúde mental, sobre afeto e sobre sobrevivência. Criar espaços de escuta para a sexualidade masculina não é apenas discutir prazer: é reafirmar que a vida vale a pena ser vivida. A compreensão dessa relação complexa tem implicações clínicas e preventivas fundamentais: ao reconhecer a vida sexual como um espaço onde sintomas e sinais se manifestam, podemos oferecer intervenções mais precisas e eficazes na prevenção ao suicídio e à automutilação (de Baére & Zanello, 2020). Romper o silêncio, nesse caso, é mais que gesto individual — é compromisso coletivo com a vida.


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📚 Referências e sugestões de leitura:

de BAÉRE, F., & ZANELLO , V. (2020). Ssuicídio e masculinidades: uma análise por meio do gênero e das sexualidades. Psicologia Em Estudo, 25. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v25i0.44147


CORRÊA, L. DE A., CARDOSO, J. L. P., CABRAL, I. C. S., & ARAÚJO, I. L. DE P. (2024). Disfunção sexual e agravos à saúde mental, física e social do homem: Uma revisão da literatura. RevistaFT, 28(133). https://doi.org/10.5281/zenodo.10946743


OUZA, L. E. P. F., & PAIM, J. S. (2024). Barriers to accessing health care for men: Cultural factors and the higher risk of suicide and noncommunicable diseases. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 29(Suppl 1), e250081. https://doi.org/10.1590/interface.250081

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